domingo, 15 de maio de 2011

Palavras

Vês o mar e dizes barco,
vês o sol e dizes sede,                                                                
olhas a lua num charco,
vês um peixe numa rede.
Vês a noite e dizes sono,
vês a luz e faz-se dia,
claridade que chega
com um fio de melodia.
Cada coisa que tu dizes
é apenas um começo,
é a fala a ganhar corpo,
o silêncio do avesso.
Cada coisa que tu sonhas
há-de ser depois contada
com a roupa das palavras
à fala bem ajustada.

E aquilo que tu dizes
há-de dar voz ao que sentes
porque a fala é um canteiro
onde os sons são as sementes.
E aquilo que tu sentes
passa de avós para netos,
é o livro onde se guarda
o tesouro dos afectos.

José Jorge Letria, Versos para os pais lerem aos filhos
em noites de luar, Ambar, 2003

Sem comentários:

Enviar um comentário